quarta-feira, 25 de maio de 2011

QUEM FALA ERRADO?

Nova polêmica surgiu no cenário educacional brasileiro e tem mobilizado educadores, especialistas e opinião pública. Trata-se do livro didático "Por uma vida melhor" da coleção Viver, Aprender distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático do MEC, voltado à Educação de Jovens e Adultos. O livro traz um capítulo introdutório esclarecendo que não há problema em utilizar, na fala, expressões diferentes da norma padrão, tais como aquelas em que o plural dos substantivos ou o infinitivo dos verbos é suprimido (os livro, fui dormi). Entretanto, no mesmo instante a autora alerta para o fato de que tal modo de se expressar deve ser dosado por seu usuário, sob pena de sofrer preconceito linguístico.
A lição veiculada pela publicação não chega a representar novidade: existem várias formas de falar e nenhuma delas pode ser considerada incorreta. Aliás, a ideia é substituir as palavras certo e errado por adequado e inadequado, quando se tratam das variações linguísticas.
Como sempre, a polêmica se instaura mais por questão política do que educacional. Minha posição é favorável à intenção da publicação. Avalio como pedagógica a escolha por valorizar, no interior do livro que será utilizado pelos alunos, o modo de expressão dos sujeitos da classe popular (maioria nas turmas de EJA). Com isso constroi-se um espaço de diálogo e respeito ao discente, fundamentais para que sinta-se convidado a aprender. Penso que esta estratégia pode, inclusive, contribuir com o sucesso da aprendizagem, sobretudo por se tratarem de adultos detentores de uma história de exclusão social e de uma auto-estima abalada pelos preconceitos sofridos.
Quanto aos professores, estes precisam refletir sobre o modo como promovem o ensino da língua e sobre como percebem os dialetos de seus estudantes. Admitir que existe um dialeto menos complexo ou correto significa incorrer em preconceito linguístico sim! Segundo Magda Soares (referência na área em nosso país) renegar um dialeto significa menosprezar uma cultura e, por consequência, desmerecer a cidadania dos grupos sociais dos quais não participamos. Aliás, cada um de nós se utiliza de muitas versões da língua no dia-a-dia. A dinamicidade e versatilidade da língua possibilita que se adapte às necessidades de seus usuários, as quais podem variar dependendo de onde, como e com quem a comunicação é estabelecida. Alguma novidade nestas colocações? Penso que não!
A Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) divulgou seu posicionamento a respeito da publicação, considerando equivocadas as críticas que acusam a autora e o MEC de possibilitar o ensino incorreto da língua materna. Já a Academia Brasileira de Letras (ABL) lançou nota questionando a posição adotada no material e apontou como erro misturar gramática descritiva e gramática normativa.
Como professora de classe popular por muitos anos que fui, alfabetizadora inclusive, sempre adotei a postura de respeitar e mesmo valorizar a linguagem dos estudantes. Entretanto, ensinava-lhes a língua padrão não para corrigi-los e estirpar-lhes seus dialetos, renegando-lhes à posição de menos inteligentes ou cultos, mas para muni-los com uma alternativa de sobrevivência nesta sociedade que transforma diferenças em desigualdades. 
Espero que o MEC não volte atrás na decisão de distribuir a publicação e mantenha a posição teórica adotada. Está na hora de espraiar a ideia de que não há fala errada, mas inadequada de acordo com o contexto de uso. E se pensarmos na norma padrão, há de se convir: raros são aqueles, mesmo com as mais altas titulações, cuja fala corresponde à gramática normativa.
E aí? Quem fala errado?



NOTA DA ABRALIN
http://www.alab.org.br/noticias/outras-noticias/83-leia-tambem-posionamento-da-abralin-em-relacao-a-polemica-do-livro-didatico

Nenhum comentário:

Postar um comentário